sexta-feira, 21 de maio de 2010

FICHA LIMPA: SUPREMO DEFENDE TRÂNSITO EM JULGADO

JB


BRASÍLIA - Mesmo se for sancionada pelo presidente da República, a lei complementar que torna inelegíveis os réus de crimes graves condenados em segunda instância corre o risco de ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Em agosto de 2008, ao julgar uma arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, o plenário da Corte decidiu, por 9 votos a 2, que a Justiça Eleitoral não pode negar registro a candidato que seja apenas réu em processo criminal (ou de improbidade administrativa), ou tenha sido condenado em instância inferior, sem que a sentença tenha “transitado em julgado” (quando ainda há recurso pendente de julgamento em tribunal superior).

Dos nove ministros que formaram a maioria naquela ocasião, apenas um não está mais no STF – Menezes Direito, que morreu em outubro do ano passado, e foi substituído por Dias Toffoli. Além dele e de Celso de Mello (relator), também indeferiram a ADPF 144, de autoria da AMB, os ministros Ricardo Lewandowsi, Cármen Lúcia, Eros Grau, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Ficaram vencidos os ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa.

No entanto, para que o STF se pronuncie sobre a constitucionalidade da lei de iniciativa popular que inclui a vida pregressa do candidato como condição de elegibilidade, é preciso que seja provocado por uma ação de inconstitucionalidade. E políticos e representantes de entidades que se bateram pela aprovação da Lei da Ficha Limpa lembram que nenhum dos “entes” e instituições habilitados pela Constituição a propor ação direta de inconstitucionalidade estaria disposto a fazê-lo, tendo em vista o apoio da opinião pública à Lei da Ficha Limpa.

Só podem propor esse tipo de ação o presidente da República; as mesas do Senado, da Câmara dos Deputados e das assembleias legislativas; os governadores; o procurador-geral da República; a Ordem dos Advogados do Brasil; os partidos políticos com representação no Congresso; confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

Medidas restritivas

O entendimento da atual composição do STF sobre a questão foi consolidada a partir de um voto de 91 páginas do ministro Celso de Mello, segundo o qual o princípio da não-culpabilidade se projeta além de uma dimensão estritamente penal, alcançando quaisquer medidas restritivas de direitos, inclusive no campo do direito eleitoral.

Para Celso de Mello, “a repulsa à presunção de inocência mergulha suas raízes em uma visão incompatível com o regime democrático”, e a ideia de que “todos são culpados até que se prove o contrário” é um postulado de “mentes autoritárias, praticado nos regimes absolutistas e totalitários”.

Celso de Mello comentou, contudo, que a vida pregressa do candidato “não deve ser objeto de segredo”, e apoiou a difusão – por entidades, como a AMB, e até pela Justiça Eleitoral – de listas de candidatos que respondem a processos judiciais. A seu ver, “o princípio da publicidade pode coexistir com o princípio da não culpabilidade”, cabendo ao eleitor julgar quem deve ter acesso a mandato eletivo.

No STF, dois ministros defenderam ficha limpa

Os ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa foram votos vencidos no STF quando, em agosto de 2008, defenderem a tese de que a presunção de inocência não pode ser “absoluta”, já que, na Constituição, ela teria como referência a área penal, e não a eleitoral. Para Britto, a vida pregressa do candidato devia ser analisada “não como condição de inelegibilidade, mas como condição de elegibilidade”.

Assim, não estaria comprometida nem a Lei de Inelegibilidade, nem o princípio constitucional da presunção de inocência. Para Barbosa, sentença condenatória confirmada em segunda instância (tribunais de Justiça estaduais e regionais federais) já seria suficiente para tornar qualquer pessoa inelegível.

O STF pode ainda ser provocado – caso a lei entre em vigor para as eleições de outubro – por mandado de segurança de candidato que venha a ter negado o registro pela Justiça Eleitoral.

Na semana passada, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que o Ministério Público vai insistir na necessidade de se levar em conta a vida pregressa de candidatos às próximas eleições, mesmo não havendo “quadro normativo nesse sentido”, e apesar da decisão tomada pelo STF em 2008, às vésperas do pleito municipal.

Em discurso feito no Congresso Brasiliense de Direito Eleitoral, o chefe do Ministério Público disse esperar que o STF reveja sua posição, e citou o artigo 14 da Constituição, que prevê o estabelecimento de outros casos de inelegibilidade, por lei complementar, a fim de “proteger a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”.

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